Se tem uma coisa que em que podemos confiar são as letras de Neil Peart, baterista do Rush. Eu, pelo menos, confio (e trato como uma bíblia pessoal, admito). Em Roll the Bones, Peart fala de como a vida é uma eterna aposta. Se você quer que algo aconteça, você precisa ir atrás e arriscar, jogar os dados. Se há uma chance, arrisque, ou nada irá mudar. Pode dar errado, mas como nada na vida é uma certeza, você pode mudar as probabilidades e consequências se for em frente.
Well, you can stake that claim
Good work is the key to good fortune
Winners take that praise
Losers seldom take that blame
If they don’t take that game
And sometimes the winner takes nothing
We draw our own designs
But fortune has to make that frameWe go out in the world and take our chances
Fate is just the weight of circumstances
That’s the way that lady luck dances
Roll the bones
Arriscar foi o que Marcelo Melo fez quando anunciou Lukasz Kubot como seu novo parceiro. É muito difícil ser um dos melhores duplistas do mundo e fazer transição de parceria, é uma fase de muitas dúvidas e incertezas, praticamente um recomeço. Um território novo para alguém que passou cinco anos num mesmo time. Nesse início com Kubot, foram três meses de resultados não muito expressivos para o enorme potencial da dupla. Três meses que provavelmente os fizeram se perguntar se vale a pena insistir no time, se foi um tempo perdido e se deveriam trocar de parceiros mais uma vez. A tal da pressão.
Melo acabou de sair de uma parceria bem sucedida com Ivan Dodig. No tempo ao lado do croata, o mineiro pôde experimentar coisas que não havia conquistado na carreira anteriormente: disputar o ATP Finals, ganhar o primeiro título de ATP 500, Masters 1000 e Grand Slam, e chegar ao número 1 do mundo após uma temporada sólida. Com isso, é claro, tornou-se um dos principais nomes da categoria. Foram tantas coisas grandiosas por tantos anos que ganhar sempre, nos olhos do público, parece quase que uma obrigação, a normalização de grandes feitos. As comparações com o presente parecem ser inevitáveis.
Um quarto da temporada se foi e a pressão continuou vindo de todos os lados, justamente por esse passado e pelo currículo de ambos aliados com o tempo correndo, mas é só o início da temporada e da parceria. Acabamos de presenciar o primeiro Masters 1000 do ano, tem muito pela frente. Foi tanto sucesso anteriormente em suas carreiras que o novo time nasceu com a obrigação de grandes resultados desde já, como se nada tivesse mudado em suas vidas. Há times que precisam de mais tempo para encaixar, enquanto outros veem resultados logo no início. Jamie Murray e Bruno Soares não precisaram de tempo, Ivan Dodig e Marcelo Melo viram potencial desde o primeiro torneio, e talvez com Kubot seja necessário mais do que isso.

Veio o Rio Open e os dois jogos do time também não foram dos mais animadores. Na zona mista após a derrota, o mineiro declarou que ele e Kubot ainda precisavam encontrar um balanço entre seus diferentes estilos de jogo para que os resultados começassem a aparecer, o que deixou muitos jornalistas presentes intrigados. Todas essas dúvidas pairavam no ar e a dupla foi para os Estados Unidos com mais uma grande interrogação na cabeça: Melo chegou na Califórnia com uma lesão no ombro que poderia ter cancelado seus planos de participar no torneio, mas decidiu seguir em frente, enquanto tratava o problema durante as duas semanas. O destino de toda a sua temporada poderia ter sido outro caso não tivesse disputado o torneio ou se a lesão tivesse piorado. Jogou os dados.
Kubot e Melo não tinham nada a seu favor e chegaram na final do Masters 1000 de Indian Wells, torneio que possui a chave de duplas mais forte e perigosa do circuito. 15 dos 20 melhores jogadores de simples do mundo disputaram o torneio, incluindo Djokovic, Murray e Nadal, ou seja, tinha muito em jogo. E, mais do que o resultado, foi uma semana animadora e importante para um time que buscava retomar a confiança.
A campanha, porém, pode parecer positiva ou negativa, depende de quem vê. Pelas reações que pude ler pelas redes sociais, muitos continuam apontando os dedos para Kubot, culpando-o pela derrota (apesar de ter sido crucial pra vitória no tie-break do 1º set, por exemplo) e pedindo um novo parceiro para o mineiro. Será que mudar é mesmo uma solução? Quem pode garantir que uma mudança será mais efetiva do que continuar construindo um trabalho com o polonês? E até onde é justo apontar culpados? Vimos o mesmo acontecer com Alexander Peya, quando o austríaco jogava com Bruno Soares, além de Jamie Murray ter sido julgado como ‘peso morto’ antes mesmo da parceria ter começado. Vamos dar tempo ao tempo ou, como diz Neil Peart, que rolem os dados.
Ótimo o texto e a citação a Neil Peart, talvez o melhor baterista da história do rock.