Vocês já pararam pra pensar em toda a logística de viagem envolvida na carreira de um tenista? Toda semana um torneio diferente, em diversos países e sem saber quando irá viajar, já que depende do desempenho naquela semana. Pensando nisso, conversei com Marcelo Melo, Bruno Soares e Marcelo Demoliner para entender como eles organizam o calendário de torneios, vôos, estadia e elas, as nossas queridas malas. Vem viajar com a gente! ✈
A gente sabe que é difícil definir um calendário, ainda mais naquelas semanas dos 250 e 500. O que mais influencia pra vocês nesse momento de decisão?
Bruno Soares: O que pesa muito pra mim são as condições de jogo, e depois vem a logística, mas ela tem um peso menor na escolha. Eventualmente vou mudar e ir para um lugar que eu gosto de jogar menos justamente pela questão da logística ser muito complicada. Que nem aconteceu agora com a gente, fomos para Dubai porque o Mate (Pavic) tinha que jogar a Copa Davis em Zagreb logo em seguida, e aí seria complicado seguir de Acapulco para Zagreb. Então aí, neste caso, rolou uma mudança por causa da logística, mas o que mais me influencia mesmo é a condição de jogo, com certeza.
Marcelo Melo: É, hoje em dia jogamos praticamente os mesmos torneios todos os anos, porém quando temos que mudar, escolhemos o que tem a melhor logística para viajar e o piso rápido.
Marcelo Demoliner: Agora, com parceiro fixo, a gente se reúne e vê onde jogamos melhor. Por exemplo, depois do Australian Open tivemos uma discussão porque o meu parceiro queria ter jogado Pune, Roterdã, Rio e Acapulco, e aí seriam quatro continentes em quatro semanas. Coloquei meu ponto de vista, que a ideia era viajar menos e se preparar pro Rio. O nosso jogo encaixa bastante no saibro, o Matwe (Middelkoop) gosta muito de jogar no saibro, e aí o convenci a fazer a gira sul-americana. É assim, colocar na balança.
Como vocês encaixam o retorno pro Brasil nessa loucura dos calendários?
Bruno Soares: É complicado. A parte boa do ranking em que estou agora é conseguir se planejar. Como eu sei que vou entrar nos torneios que eu quiser, também sei que posso fazer todo um planejamento, que fica meio que pré-estabelecido, mas sujeito a mudanças. Como você sabe que é 98% de chance de ter que fazer uma mudança na passagem e pagar uma multa, você coloca a passagem lá na frente e o dia que você decidir voltar para casa, você trocar a passagem, paga a multa e volta.
Marcelo Melo: Eu tento jogar no máximo 4 semanas seguidas, assim eu posso voltar ao menos uma para casa.
Marcelo Demoliner: É bem complicado, já que o ranking em que estou não entro direto em muitos torneios. Em todos os torneios que a gente entra, principalmente os 250, não podemos falhar. Temos que tentar somar e melhorar o ranking para poder entrar em torneios maiores. Às vezes a gira fica longa e acabo não conseguindo voltar pro Brasil. E, quando consigo, fico uma semana e já volto a viajar, aí não dá pra descansar muito. Até eu melhorar o meu ranking e conseguir entrar em todos os torneios tenho que aguentar o tranco e sobreviver a essa loucura que é o calendário da ATP.
Uma coisa que tenho muita curiosidade é a logística da compra de passagens de um tenista, imagino que cada um tenha uma maneira diferente de lidar com isso. Como vocês fazem?
Bruno Soares: A logística é muito confusa e cada um prefere fazer um jeito. Eu, depois de muitos anos viajando e pegando experiência com essa coisa de troca de passagem, já tenho uma maneira preferida. Como sempre saio do Brasil, acabo preferindo pegar ida e volta. Por exemplo, vamos imaginar que estou indo para a Europa começar a gira do saibro em Monte Carlo. Aí eu pego uma passagem indo para Monte Carlo e voltando de Paris, depois de Roland Garros, e não pego nenhum trecho interno. Por qual razão? Na Europa você consegue voar em companhias low cost, pegando um preço melhor. E também porque quando você linka vários trechos numa passagem só, toda vez que você faz uma mudança acaba recalculando a tarifa toda e aí isso tem um custo gigantesco. Bom, aí vamos imaginar que eu joguei Roma e depois resolvi voltar para casa. Aí eu pego essa passagem que botei pra depois de Roland Garros, mudo pra sair de Roma e volto. É assim que prefiro fazer, mas já vi de tudo: cara que bota tudo numa passagem só, cara que só compra ida, cara que prefere comprar no dia anterior…
Marcelo Melo: Sim, essa é uma parte muito importante, eu sempre tento pegar o voo mais rápido para evitar conexões e perda de tempo nos aeroportos. Prefiro comprar as passagens antes e fazer as mudanças conforme os resultados. E eu mesmo compro, na verdade gosto muito de ficar buscando as melhores opções.
Marcelo Demoliner: É um quebra-cabeça desgraçado, com o passar dos anos eu fui melhorando nesse quesito. Antes eu pagava a multa fazendo a troca de passagem e hoje em dia eu prefiro comprar tudo em cima da hora. Perdi o jogo, compro naquele dia. Mesmo que eu pague um pouquinho a mais evito a perda de tempo de ter que ligar pra trocar a passagem. Eu mesmo faço a compra, já estou acostumado. Se você precisar de um sócio para abrir uma agência de viagens, é só me chamar!
Qual foi o maior perrengue que vocês já passaram em viagens para os torneios?
Bruno Soares: No início da carreira eu tive vários. O clássico era não ter onde ficar, e aí amontoavam cinco meninos num único quarto de hotel, ou não ter condições de pagar passar de avião e aí pegávamos ônibus no interior do Equador e numa estrada perigosa pra caramba.
Marcelo Melo: Acho que o maior foi quando caiu um raio no avião indo de Memphis para Miami, não foi nada legal!
Marcelo Demoliner: Olha, é cada perrengue que eu passo que dá pra escrever um livro. Estou ficando cada vez mais velho e mais cheio de mania, aí dá turbulência no avião e já começo a tremer junto e suar frio. Estou cada vez mais medroso!
Bom, no ano passado teve um, em Pune, que foi até quando eu conheci o Medvedev. Cheguei na Índia, liguei o celular e tinha uma mensagem do Matkowski, que seria meu parceiro no torneio. A mulher e a filha tinham ficado doentes e ele não poderia ir pra Índia… mas eu já estava lá! Eu só tinha um dia para procurar um parceiro e só tinha três opções: Chung, Cilic e Simon. Mandei mensagem para eles desesperado, contando todo o causo e, bom, nenhum aceitou porque não queriam jogar duplas naquela semana.
Aí eu comecei a entrar em pânico e pensar “Ferrou, não vou conseguir jogar aqui, vou passar uma semana na Índia pra nada, foram 26 horas de viagem pra nada.” Na mesma semana de Pune tinham os torneios de Brisbane e Doha, então comecei a olhar as listas e a fazer todo o dever de casa. Por sorte, lá em Brisbane, o Mischa Zverev ia jogar duplas com o Medvedev, só que acabou se machucando e desistiu. Assim que eu soube mandei uma mensagem pro Medvedev e contei a minha história, então ele se solidarizou e aceitou. Aí fui pro hotel, dormi 8 horas porque estava demolido da econômica e fui comprar a passagem para Brisbane. Eram mais 28 horas de viagem com duas escalas! Foi um perrengue, mas também foi aí que conheci o Medvedev. Construímos uma relação muito legal com ele e com o técnico. É legal porque eles gostam muito de treinar dupla, a gente até dá uns conselhos.
Alguns torneios não oferecem hotel, mas sim um dinheiro diário e os jogadores ficam livres para escolher onde querem ficar. Como vocês preferem?
Bruno Soares: Eu sou da época que não tinha Airbnb, era hotel mesmo. São poucos os torneios que não oferecem hotel, geralmente são os Grand Slams e Queen’s, e aí como a gente já joga esses torneios tem muitos anos, eu já tenho os meus cantos favoritos. Em Wimbledon eu alugo uma casa perto do complexo, e em Melbourne já tenho o contato do hotel que gosto de ficar. Ao longo do tempo você vai conhecendo melhor os lugares, fazendo contato, conseguindo tarifas melhores e se adaptando.
Marcelo Melo: Eu, neste caso, procuro um hotel bem localizado onde eu possa conhecer um pouco da cidade. Em Wimbledon eu alugo uma casa e, como normalmente chove muito, ficar perto das quadras ajuda demais.
Marcelo Demoliner: Eu fico em casa de amigos. Nova Iorque é o único lugar em que pego um Airbnb, e aí nos outros três Grand Slams tenho amigos que moram nas cidades e fico na casa deles, me ajuda bastante. Mas se estou com alguém da família aí pego um Airbnb ou algo do tipo por ser mais confortável. Toda vez que consigo sair de um hotel e ficar numa coisa mais caseira, eu prefiro. Gosto de ficar com amigos e família, me sinto mais em casa.
Bom, não tem como falar de avião sem falar de malas. Já tiveram muitos problemas com isso por causa das raquetes? Extravios?
Bruno Soares: O engraçado é que tive pouquíssimos problemas com malas, ainda mais pro tanto que eu viajo. A minha vida inteira eu despachei a mala e a raqueteira, até porque nunca gostei de levar a raqueteira comigo, então nunca tive problema. A única vez que tive problema foi naquela época que estava tendo a erupção de um vulcão na Europa, e aí os vôos estavam atrasando pra caramba e acabei ficando 12 horas num aeroporto em Portugal. O voo ia sair às 8 da manhã e acabou saindo tipo às 10 da noite, foi uma bagunça danada. Eu estava vindo de uma Copa Davis e indo pra Madri, aí fiquei quatro dias sem as coisas e peguei tudo emprestado, roupa, raquete, tudo mesmo. Mas foi o único problema nesses 20 e tantos anos na estrada.
Marcelo Melo: Eu viajo com uma mala dura justamente para proteger as raquetes, alguns países não deixam você levar as raquetes a bordo. Eu já fiquei sem a mala alguns dias, por exemplo no Canadá ano passado.
Marcelo Demoliner: Todo ano tem mala que não chega, coisa que some… No ano passado, em Moscou, cheguei lá e nada das minhas malas e raquetes. O bom é que tenho um seguro viagem bem legal do cartão de crédito, aí consigo comprar umas coisas com o valor que me dão. Cheguei faltando dois dias para o meu jogo, que era na segunda-feira. Expliquei a situação para o torneio e pedi para atrasar para quarta, eles entenderam e foram bem legais. As minhas coisas finalmente chegaram na segunda e consegui treinar. Eu lembro bem desse caso porque a gente jogou muito bem e fomos campeões. Bom, quando acontece eu tenho que pedir roupa emprestada pro parceiro, mas o problema é o tamanho do meu pezinho 46, que pouca gente usa esse número. O que eu tenho feito agora é viajar com uma bolsa que vai comigo no avião com uma muda de roupa, tênis, corda e raquete. Mas tem umas empresas que não deixam levar raquete de jeito nenhum, fazem um auê que não pode!
Escalas fazem parte desse mundo dos vôos. Qual o passatempo preferido de vocês?
Bruno Soares: Esse aí mudou muito ao longo dos anos, o passatempo pré-tecnologia e o pós-tecnologia. Antigamente era baralho. Hoje, com os tempos de internet e tudo mais, as coisas mudaram e estou sempre falando com alguém ou resolvendo alguma coisa. Tenho muitas coisas além do tênis também, então estou sempre procurando alguma coisa diferente, respondendo emails… E não vejo série, mas vejo muito filme, então meu passatempo é na base da tecnologia mesmo.
Marcelo Melo: Eu costumo ver algumas séries de TV, jogar alguns jogos no iPad… coisas assim para passar o tempo.
Marcelo Demoliner: Gosto bastante de ler, ver séries e filmes… Eu escrevia bastante, até tenho que voltar a ter este hábito para dar uma reavivada na cachola. As últimas séries que vi foram Vikings, Peaky Blinders, que gostei muito, e Suits. Quando vou na econômica tenho dificuldade de dormir, então me ocupo lendo e assistindo algo. Nas escalas eu tenho aquele cartãozinho de entrar nas salinhas boas dos aeroportos e isso ajuda muito para relaxar, é essencial para os tenistas ter o famoso cartãozinho.
Matéria bem curiosa.
Achei que eles teriam uma assessoria para resolver os problemas de logísticas.
Gostei bastante, Alinynja!